26/02/2021

Muzomuhle Ntuli - Ecomarxismo e desmatamento

"Green Marx" via Google. Autor desconhecido.

Muzomuhle Ntuli

24 de maio de 2018
(original aqui)

1. Introdução

O mundo está mudando. Muitos países estão se modernizando e se adaptando para novas formas de viver no século XXI. O crescimento populacional segue firme e há uma constante necessidade de industrialização e urbanização para dar conta das necessidades econômicas e sociais que vêm com a modernidade. As velozes mudanças demográficas e tecnológicas têm trazido tensão para o meio ambiente, na medida em que inúmeras espécies animais e vegetais estão às raias da extinção. Todas essas mudanças, conduzidas principalmente por aqueles que querem o lucro a todo custo, têm degrado o ecossistema natural.

Os problemas ambientais se tornaram o "novo normal" na sociedade moderna de hoje. Aquecimento global, quedas de barragens, seca, desmatamento, inundações — a lista é interminável. Todo ano organizações ambientalistas apresentam novas descobertas e estatísticas sobre a contínua degradação do meio ambiente. Problemas como chuva ácida, desmatamento, mudança climática, danos à camada de ozônio ou poluição da água. A causa desses problemas é o constante saque dos recursos naturais da Terra com o objetivo de industrialização ou melhoria da vida humana, mas com pouca, se é que há, preocupação com o planeta de onde tais recursos vêm. Situações como essa causam conflitos na sociedade, como ocorre frequentemente entre o meio e as pessoas que lá habitam, de um lado, e os capitalistas que buscam faturar em cima, de outro. Esses conflitos ecológicos, sejam globais ou locais, acontecem porque a prosperidade econômica geralmente está relacionada ao uso insustentável do meio ambiente. Um exemplo é a deflorestação de hectares de terra para a obtenção de madeira ou colonização.  

Problemas ambientais e conflitos ecológicos são estudados por diversas ciências sociais, incluindo sociólogos ambientalistas, levando-se em conta os impactos físicos e sociais do desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente e as pessoas. Isso porque os impactos ambientais são sentidos em todo o planeta e se a situação não mudar a vida será difícil para as gerações futuras. Com isso em mente, este artigo explicará a perspectiva ecomarxista, seus pontos-chave, sua visão dos temas ambientais e como esses temas afetam as diversas classes de forma diferente. Através da visão ecomarxista abordaremos o desmatamento e o impacto que tem no planeta em termos de erosão do solo, poluição do ar e a ameaça que traz à vida animal e vegetal.

2. A perspectiva ecomarxista

Ecomarxismo é a ideologia política que une a doutrina marxista do anti-capitalismo com ecologia, anti-globalização e com políticas pró-ambientais. O nascimento do ecomarxismo está ligado ao vácuo do discurso científico, segundo o qual a ecologia não teria análise social. A ecologia sozinha não tem capacidade de entender totalmente, e expor, as constantes mudanças políticas e econômicas no mundo. Já os ecomarxistas enxergam a expansão do capitalismo através da globalização como uma das causas da degradação ambiental, das guerras, da desigualdade e da pobreza. Os ecomarxistas têm em sua plataforma fundacional as políticas verdes e, apesar de inspirados por Karl Marx e sua crítica do capital, são às vezes críticos de muitas políticas socialistas.   

a. Crítica do capitalismo

Na medida em que o Ecomarxismo é uma combinação de aportes ecológicos com a ação e o pensamento marxistas, basicamente enxerga a crescente degradação ambiental como resultado de um sistema econômico e político destrutivo — o capitalismo. A premissa do ecomarxismo é a de que a raiz da injustiça social e da degradação ambiental é o mundo capitalista onde a busca por lucro acima de tudo é o mantra. De acordo com Karl Marx, "o trabalho é o pai da riqueza material e a terra sua mãe" ("O Capital"). No pensamento marxista, humanos e natureza são os agentes da criação da riqueza, daí a necessidade de controlá-los. Na perspectiva ecomarxista, a força (o capitalismo) que subjuga o proletariado é a mesma força que subjuga e destrói a Terra, e a eliminação de tal força resultará na emancipação de ambos.

Outro ponto central, na perspectiva ecomarxista, é entender que o capitalismo trata a natureza como "o outro", isto é, algo externo à existência humana, uma espécie de "dádiva" gratuita que pode ser utilizada do jeito que se queira para a obtenção de vantagens. Burkett e Foster (2006) notaram que a tendência do capitalismo de confundir valor e riqueza é uma contradição fundamental do próprio regime. Nesse sentido, Karl Marx via o capitalismo como uma sistema dependente da acumulação de valor mesmo se em detrimento da natureza. Diversos autores ressaltam a relação parasítica do capital com a natureza, como um vampiro chupando o sangue do planeta. Kovel e Löwy (2001) afirmam que a expansão do capitalismo causa degradação ambiental, industrialização desenfreada e colapso social, frutos da globalização. 

Isso causa a destruição de habitats, polui o meio ambiente e deixa as comunidades sem condições de produzir seu próprio alimento. Como diz Porrit, em todos os países estudados "continuamos a destruir os habitats naturais de todos os tipos, sempre para fins de lucro". Recentemente temos visto o crescimento de uma onda ecocapitalista ou "desenvolvimentista sustentável". Seu objetivo é salvar "o planeta da destruição ecológica forjada pela expansão capitalista... através da expansão do próprio capitalismo, livre de seus excessos e excrescências" (Foster et al, 2010). Essas pessoas não enxergam contradição entre a acumulação contínua e ilimitada do capital — que é a base da sociedade liberal — e a conservação da natureza. Buscam criar e expandir um novo capitalismo sustentável que leve a natureza e sua preservação em consideração.

De acordo com o ecomarxista John Bellamy Foster (2010) "na realidade essa visão nada mais é que uma nova estratégica para lucrar às custas da destruição planetária". O desprezo do capitalismo pela natureza pode ser sintetizado na frase de Victor Lebow: "a produtividade de nossa economia exige que façamos do consumo nosso modo de vida. Precisamos que as coisas sejam consumidas, queimadas, gastas, descartadas e substituídas em proporções cada vez maiores" (Porritt, 2007).

b. Alienação da natureza, de si mesmo e de outros humanos

No pensamento ecomarxista, alienação se refere à separação vivida pelos seres humanos sob o capitalismo. Essa alienação (separação) aparece no distanciamento entre o trabalho e os frutos do próprio trabalho, no distanciamento da natureza, de si mesmo e de outros seres humanos (Bottomore et al, 1983), com a auto-alienação na raiz de tudo. Em essência, os seres humanos são parte da natureza, parte daquilo que produzem (os materiais para produçao são oriundos da natureza) – então estar separado disso é estar alienado de nossa natureza humana e da natureza como um todo. No ponto de vista capitalista a alienação da classe trabalhadora é um problema individual, ao passo que os eco-marxistas enxergam isso como uma um tema social. Pepper (2010) escreve que "desde que através do trabalho produzimos coisas, e desde que com a produção mudamos a natureza do que somos, então o trabalho é uma forma de criar o que somos – de auto-criação". No capitalismo, os trabalhadores através de seu trabalho produzem coisas que modificam a si mesmos e à natureza.

Contudo, em razão dos baixo salários que recebem, tais trabalhadores não são capazes de adquirir o que eles mesmos produzem. Por exemplo, constroem arranha-céus mas não podem morar em um. Outro aspecto é o classismo. A classe trabalhadora está confinada aos subúrbios e cortiços, superpovoados em comparação com os confortáveis lares dos empregadores. Essas áreas são mal administradas, têm pouco ou nenhum saneamento básico e estão afastadas do centro, o que significa que esses trabalhadores mal remunerados ainda terão gastos com transporte e locomoção. Além disso o proletariado está distante de um meio ambiente naturalmente saudável (alienação da natureza) porque quer estar perto do trabalho, de modo que está sempre condicionado pelas necessidades do capitalismo. Para poder sobreviver, o capital consome a base de sua própria riqueza — o solo e o trabalhador (Pepper, 1993).

3. Desmatamento

Desmatamento é a remoção massiva de florestas ou árvores para que a terra possa ter utilização não-florestal. Tal terra será destinada a habitação, agricultura, criação de animais ou mineração. O desmatamento é resultado de algumas causas. Primeiro, o contínuo crescimento populacional força os governos a procurar terra para estabelecer seus cidadãos e reajustar o planejamento espacial (Holdgate, 1992). Segundo, o desmatamento é tocado por interesses comerciais. Principalmente para fins agrícolas, quando fazendeiros e proprietários estão em constante busca por mais terra para aumentar suas plantações ou para pastoreio de gado. Também comercializa-se madeira, necessária para mobília ou papel. Para isso são construídas estradas, o que aumenta o desmatamento e a degradação ambiental. Em terceiro lugar, o desmatamento é utilizado por forças inimigas em tempo de guerra, na estratégia militar de "terra arrasada". Consiste em destruir o habitat e expor o inimigo, que fica assim privado da cobertura e dos recursos da floresta.

a. Desmatamento tropical

Os seres humanos têm destruído florestas há séculos, principalmente para agricultura e pasto. No passado era feito de modo que a natureza podia se recuperar, na medida em que a população migrava ou deixava a floresta crescer. Contudo, nos tempos modernos, as florestas tropicais têm sido alteradas ou removidas em uma velocidade muito maior do que no passado. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) a área de florestas tropicais derrubadas aumentou 12,5% de 1980 a 2020. A perda de floresta tropical pode ter consequências devastadoras como erosão ou desequilíbrios hidrológicos do solo e a alteração do equilíbrio das águas, o que pode ter influências climáticas (Whitmore e Sayer, 1992). Adicionado ao dióxido de carbono na atmosfera, isso pode contribuir para o aquecimento global. 

Desmatamento de áreas tropicais já tem destruído várias espécies animais e vegetais e como Myers (1983) coloca "a maior preocupação sobre a perda de florestas tropicais é que há um considerável conjunto de evidências que sugerem que isso está levando à uma perda de diversidade biológica sem precedentes". Isso significa que mesmo espécies sobreviventes terão dificuldades em sobreviver, na medida em que perdem grande parte de sua diversidade genética (Whitmore e Sayer, 1992).

b. Ecomarxismo e desmatamento

Quando adotamos uma análise materialista histórica do capitalismo, podemos afirmar que o consumo individual não pode ser culpado pela atual situação. Os ecomarxistas levam em conta o próprio modo de produção, "a pirâmide das forças produtivas encimadas pelas relações de produção, o que constitui o capitalismo" (Pepper, 1993). Em outras palavras, isso significa que o modo como os seres humanos lidam com a natureza sob o capitalismo é a causa da degradação ambiental. Os capitalistas continuam a derrubar árvores em um ritmo sem precedentes com o objetivo de aumentar sua produção agrícola, ampliar pastos e comercializar madeira, com nenhuma preocupação com a natureza. Tal é o ideal iluminista da natureza como uma "dádiva" para ser apropriada pelo homem, para fazer dela o que bem entender (Foster et al, 2010).

Essa mentalidade tem levado a desertificação a áreas que uma vez foram florestas. Como falamos acima grande parte do desmatamento é causado para fins agrícolas, mas o ecomarxistas são contra a agricultura capitalista porque a mesma é irracional em sua busca constante por lucro rápido, levando ao esgotamento da terra (Pepper, 1993). Os ecomarxistas consideram o desmatamento um "imperialismo ambiental" na medida em que o capital despoja a terra de suas árvores sem preocupação com as gerações futuras. Uma vez que o dano está consumado partem para a próxima área. Empresas e indústrias com suas promessas de oportunidade de trabalho estão, conforme o ecomarxismo, enganando o povo pois "roubam não apenas o trabalhador mas também o solo" (Marx, 1976).

Pessoas são forçadas a deixar suas casas, trabalhadores são remunerados como escravos, vários ecossistemas são destruídos. Devido à constante necessidade do capital em acumular e reinvestir para ganhar mais, os ecomarxistas são críticos da novidade "ecocapitalista" que quer investir em reflorestação. Karl Marx (1976), em um recado que poderia ser direcionado aos ecocapitalistas, diz que os esforços para aumentar a fertilidade do solo por dado tempo acabam exaurindo essa mesma fertilidade. 

4. Conclusão

A natureza está perecendo pelas ações humanas. Florestas derrubadas, sofrimento animal e risco de extinção da diversidade biológica. Florestas tropicais, fonte não apenas de madeira mas de recursos minerais, sofrem devastação no maior grau. Este ensaio focou nos impactos do desmatamento nas florestas tropicais em particular, sob a ótica de um ecomarxista, analisando o impacto da produção capitalista sobre o planeta, a classe trabalhadora e as pessoas que vivem em áreas ecologicamente afetadas. Como falamos, o capitalismo é um sistema cuja preocupação principal é a acumulação, por qualquer meio que garanta sua sobrevivência. É um sistema guiado por lucro acima de tudo e seguirá assim mesmo gerando danos aos trabalhadores e antes de tudo à própria terra da qual se nutre. O capitalismo, como vimos, aliena o trabalhador da terra, daquilo que produz e dos outros seres humanos. Tudo isso para tornar o trabalhador uma simples ferramenta sob as ordens do patrão. O ecomarxismo, em face disso, vem enfatizar que os seres humanos são parte da natureza e a natureza é parte dos seres humanos, de modo que a exploração de um é a exploração do outro, haja vista estarem interligados.

5. Referências

Kovel, J; Lowy, M. (2001). An Eco Socialist Manifesto [online]. Available at: https://en.m.wikipedia.org/wiki/Eco-Socialism accessed 24 May 2018

Foster, J.B; Clark, B; York, R. (2010). The Ecological Rift-Capitalisms war on the Earth. Monthly Review Press. New York, NY 100001

Porritt, J. (2007). Capitalism-As if the world matters. Earthscan. 8-12 Camden high Street. London

Marx, K. (1976). Capital Vol 1. Penguin Publishers. London

Burkett, P; Foster, J.B. (2006). Metabolism, Energy and Entropy in Marx’s Critique of Political Economy. Monthly Review Press. New York

Bottomore, T; Harris, L; Kiernan, V; Miliband, R. (1983). A dictionary of Marxist thought. Oxford. Blackwell.

Pepper, D. (1993). Eco-Socialism- From deep ecology to social justice. Routledge, London.

Whitmore, T.C; Sayer, J.A. (1992). Tropical deforestation and species extinction. Chapman and Hall. London.

Myers, N. (1983). A wealth of wild species. Westview. Boulder

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