quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Brian Williams - Luta racial e a memória de Catherine Burks

Catherine Burks-Brooks (1939-2023), aos 21 anos, presa ao participar
 de sua terceira "Caravana da Liberdade" ("Freedom Ride")
 contra a discriminação racial nos EUA.

Brian Williams

14 de agosto de 2023
(original aqui)
 
O movimento "Freedom Riders" de 1961 foi um dos marcos na luta da classe trabalhadora negra contra a segregação racial que alterou para sempre as relações sociais nos Estados Unidos. Dentre aqueles corajosos lutadores participantes dessa história estava Catherine Burks-Brooks, que faleceu no último dia 3 de julho aos 83 anos.

Havia decisões da Suprema Corte em 1946 e 1960 que proibiam a segregação racial nas viagens interestaduais, mas delinquentes racistas e os próprios agentes públicos por todo o Sul agiam para que fossem desrespeitadas. Em razão disso, em resposta à convocação do Congress of Racial Equality, voluntários partiram de Washington em caravana com o objetivo de chegar até Nova Orleans e dessegregar as estações de ônibus ao longo do caminho.

Eles se depararam com a violência da polícia e da Ku Klux Klan. No dia 14 de maio em Anninston, Alabama, uma multidão de supremacistas brancos bloqueou um dos ônibus, atirou-lhe pedras e tijolos, quebrou suas janelas e rasgou seus pneus — além de terem arremessado uma bomba incendiária no veículo. A turba tentou, felizmente em vão, assassinar os "Freedom Riders" ao tentar impedir que escapassem do ônibus incendiado.

Horas mais tarde, "Freedom Riders" em outro ônibus foram brutalmente espancados após ingressar na sala de espera reservada a brancos [original: "white-only"] no terminal de ônibus de Birmingham, Alabama. O chefe da polícia, Eugene "Bull" Connor, havia combinado com os líderes da Klan local que os policiais se afastariam por quinze minutos para que houvesse tempo para o ataque. Ao tomar conhecimento das agressões, o reverendo Fred Shuttlesworth liderou uma força de militantes dos direitos civis para liberar os "Freedom Riders". Em virtude desses ataques, o Congress of Racial Equality considerou ser melhor interromper a caravana.

Mas um grupo de estudantes em Nashville, Tennessee, não concordou com a decisão. Entre eles estavam Diane Nash, uma das fundadoras do Student Nonviolent Coordinating Committee (SNCC), e  Catherine Burks, de 21 anos, da Universidade do Tennessee.

Burks, seu futuro marido Paul Brooks e outros oito estudantes deixaram Nashville de ônibus em 17 de maio. Na entrada da cidade de Birmingham foram parados pela polícia. O chefe, o já citado Eugene Connor, ingressou no veículo e ordenou que Brooks, que era negro, não se sentasse ao lado do estudante James Zwerg, sob a alegação de que isso violava as leis de segregação racial do Alabama. Brooks se recusou e ambos estudantes foram presos, e os demais "Freedom Riders" jogados na cadeia.

Naquela noite o chefe Connor colocou os estudantes presos em carros da polícia e disse que estariam sendo levados de volta para Nashville. Burks e Brooks, alojados no banco da frente, discutiram vivamente com o policial. Connor contou ter sido apoiador de Strom Thurmond, governador da Carolina do Sul, que liderou um racha na convenção do Partido Democrata em 1948 para criar o segregacionista States' Rights Democratic Party. "Agora vocês sabem que estavam errados", disse Burks, e convidou o policial a continuar o debate no dia seguinte. 

Ao chegarem na pequena cidade de Ardmore, na divisa com o Tennessee, Connor ordenou que os estudante saíssem dos carros. "Eu não poderia deixar que o velho 'Bull' tivesse a última palavra", disse Burks à imprensa em 2013. "Eu disse a ele que antes do meio-dia estaríamos de volta!". E realmente eles retornaram naquele mesmo dia.

O chefe Connor contou que havia a uma certa distância uma estação de trem transformada em armazém abandonado. No meio da noite o grupo obteve ajuda de uma família negra que morava por perto e telefonou para o organizador da "Freedom Ride" em Nashville, que conseguiu um carro para levá-los de volta a Birmingham, tomando todas as cautelas para não topar com a Klan pelo caminho. 

Burks e Brooks participaram de mais duas "Freedom Rides" naquela primavera, de Birmingham a Montgomery, Alabama, e de Montgomery a Jackson, Mississippi, onde ela e outros "Freedom Riders" foram presos, condenados e jogados na famosa Penitenciária Parchman.

Com as "Freedom Rides" trazendo visibilidade internacional para a temática da segregação racial nos EUA, o governo John Kennedy pediu para que os estudantes parassem e "relaxassem". Os líderes do Congress of Racial Equality e do Student Nonviolent Coordinating Committee se recusaram e centenas de voluntários continuaram a se juntar às caravanas naquele verão. 

Após ser libertados de Parchman, os "Freedom Riders" responderam a um chamado de Robert F. Williams, presidente da seção da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP) em Monroe, Carolina do Norte, para se juntar aos protestos contra a segregação e a violência da Klan, incluindo as ameaças de morte endereçadas a ele. Vinte e dois dos militantes estavam lá em agosto.

Williams liderou a luta contra a segregação nos espaços públicos da cidade, por oportunidades igualitárias de trabalho e contra ataques racistas de delinquentes e policiais. Williams, antigo operário do setor automobilístico em Detroit e veterano de guerra, organizou uma auto-defesa armada de negros contra as hostilidades sofridas. Poucas semanas após a chegada dos "Freedom Riders" ele foi processado sob acusação de sequestro, o que o levou a fugir para além-mar por alguns anos. As acusações posteriormente foram retiradas. 

Entre os "Freedom Riders" idos para Monroe estavam James Forman, diretor do recém-formado SNCC, assim como Paul Brook e Burks que, após casarem na Carolina do Sul, ficaram na casa de Williams.

Participar das manifestações nas ruas de Monroe fez com que os "Freedom Riders" enfrentassem ameaças e ataques da Klan e das autoridades da cidade.

Ken Shilman, um "Freedom Rider" que, assim como Burks, foi encarcerado em Parchman, foi novamente preso em Monroe. No cárcere, Shilman teve papel fundamental para interromper o brutal espancamento sofrido por outro militante na cela vizinha, ao gritar a plenos pulmões para que a tortura cessasse. Shilman, que tinha apenas 18 anos na ocasião, posteriormente se tornou líder do Young Socialist Alliance e do Socialist Workers Party.

Pela sua participação nas "Freedom Rides", Burks e outros 12 foram expulsos da Universidade do Tennessee, mas recorreram da medida e puderam se graduar no outono.

Ao longo de sua vida Burks aproveitou todas as oportunidades para falar de suas experiências como "Freedom Rider". "Tempos gloriosos para se viver", ela dizia.

As ações dessa juventude corajosa — seguida pela Revolta de Birmingham em 1963, a luta pelo direito ao voto em 1965 e as marchas em Selma e Montgomery — transformaram suas vidas e ajudaram a forjar a unidade da classe trabalhadora e o futuro da luta de classes nos Estados Unidos.

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