Cena de "Nosferatu" (1922), dirigido por F. W. Murnau e estrelado por Max Schreck. |
Jonathan Greenaway
5 de fevereiro de 2018
(original aqui)
Como Silvia Federici disse em seu marcante trabalho "Caliban And The Witch", um dos aspectos do nascimento do capitalismo foi a produção de um novo tipo de sujeito. A burguesia mercantil crescente requeria força operária para trabalhar para ela, e assim a sociedade e a ideia de sujeito precisavam ser reformadas. Essa reforma é feita pela igreja e pelo Estado, através de violenta disciplina legislativa, social e cultural. São essas forças disciplinadoras que, pelo menos em parte, explicam a violência exercida sobre a figura da "bruxa" — em outras palavras, a figura da mulher incontrolável, empoderada para realizar os seus desejos (e daqueles que a acompanham) e obter o que precisa, sem que para isso precise explorar o trabalho alheio.
O livro de Federici, um clássico do feminismo marxista, também fornece interessantes interseções com estudos góticos e as formas pelas quais o gótico e o horror respondem ao passado. A figura da bruxa não é perigosa apenas pelo poder que ela possui — ela também é assustadora pela possibilidade que incorpora —, a possibilidade de que o mundo criado pelo capitalismo não seja nem natural nem invulnerável. A bruxa representava um mundo antigo, diferente, e portanto era uma ameaça — e também uma fonte de terror. O corpo da bruxa foi convertido em um monstro, temido e obedecido por quem o visse. A figura queimada na estaca se tornava um "totem", um símbolo visual da violência disciplinadora do capital, que busca sua imposição não apenas como sistema econômico mas também como uma espécie de lei natural. Ainda assim, apesar dos melhores esforços do capital e de sua lógica sem remorsos, ainda há um indelével traço do monstro, um eco persistente do numinoso que assombra nossa imaginação cultural coletiva.
A definição do "gótico" é um campo controverso, mas uma versão amplamente aceita dirá que o gótico é definido por sua relação com o espaço e o tempo — frequentemente em um sentido inverso ao da ficção científica —, pois enquanto a ficção científica avança no tempo e para fora no espaço, o gótico faz o oposto, retrocedendo no tempo e para dentro de um espaço fechado. A casa assombrada, o castelo em ruínas, o campo abandonado — todos espaços fechados repletos de ecos do passado, repletos do assustador murmúrio de que o mundo poderia ser diferente, de que uma vez foi diferente — agitado de magia, violência e morte. Somos atraídos para o gótico e para o horror pelos seus monstros — nós nos reconhecemos neles, mas também os tememos porque o monstro nos dá um relance do que está além dos limites do mundo e, mais preocupante ainda, o monstro revela o quanto esses limites podem ser arbitrários.
Aqui, a cultura colide com a economia — o capitalismo, falando em geral, vê pouca utilidade no passado além do que pode ser subsumido em si mesmo e do que pode ser vendido —, e nos final das contas está satisfeito apenas de nos vender nostalgia. O que impressiona é a forma como o gótico nos arrasta de volta para os lugares abandonados pelo capitalismo, pela troca de commodities — a casa abandonada, a ruína e a porta trancada onde encontraremos avisos e sinais de um mundo diferente. Falando genericamente, o sobrenatural retrata um passado que se recusa a morrer, uma ordem mundial e uma totalidade econômica que o capitalismo, tente o que quiser, não conseguirá erradicar completamente. No gótico sobrenatural os sujeitos se tornam monstros: lobisomens, zumbis, vampiros, ou apenas forçados a um estado de existência mais animista. Essas figuras, assim como muitas outras, são facilmente interpretadas como relacionadas a um modo de produção mais antigo. Elas são, sem dúvida, uma ameaça, mas dentro da figura do monstro também podemos ver, no limite, gestos rumo a um mundo diferente.
É fácil ser seduzido pela figura do monstro — bruxas ou não, ainda possuem poder, mas seria um erro cair em uma espécie de marxismo gótico nostálgico, que nos levasse a buscar um caminho de volta ao estado "edênico" — essa possibilidade se foi, se é que chegou a existir. Talvez o que seja necessário não é voltar atrás e sim seguir em frente com nossas monstruosas figuras, e compreender que as mudanças no modo de produção, e como a totalidade econômica e social é arranjada, produzirão novas figuras que serão tratadas como as bruxas do passado foram. Como marxistas góticos, então, parece que será necessário encontrar esses que são transformados em monstros e nos colocarmos não com espanto ou medo deles, e sim com solidariedade.
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